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Há menos de um ano, Roberto Francisco Daniel, conhecido nacionalmente como padre Beto, foi excomungado da Igreja Católica e viu sua vida virar de ponta cabeça de uma hora para a outra. Assim como na propaganda realizada pelo Boticário, em que mostra vários tipos de casais comemorando o Dia dos Namorados, e como a transexual que foi crucificada na última Parada Gay em São Paulo, padre Beto também enfrentou discussões e diversos comentários nas redes sociais por defender a diversidade sexual.

“Eu não vi nada disso como um absurdo, mas como algo natural. É uma forma de eu refletir o porquê ele está sendo crucificado. Simplesmente porque ele é diferente sexualmente? Essas pessoas querem ter uma catarse, ou seja, expor publicamente a sua revolta. Isso não me assustou e não causou revolta, achei extremamente compreensível (…) E claro que me fez lembrar essa questão porque foi uma injustiça comigo”, afirma.

Para o Social Bauru, o padre afirma que continua usando a internet para discutir assuntos relevantes para a sociedade, sem medo da polêmica que irá gerar e reforça que ‘ninguém precisa levantar nenhuma bandeira – só de que nós somos todos humanos’. Nessa entrevista, padre Beto comentou o que achou da discussão gerada tanto pelo comercial, quanto pela Parada Gay, e ainda falou sobre sexualidade, mágoas e próximos projetos. Confira o bate-papo:

Você sempre defendeu, publicamente, que nós todos somos iguais, e sempre usou muito as redes sociais para isso. Você se espantou com a repercussão do comercial do Boticário e também com a crucificação da transexual na Parada Gay, em São Paulo?
Padre Beto: Não me espantou. Primeiro sobre o comercial: eu estive dez anos na Alemanha, na década de 90. E naquela época já era comum a presença de casais, não só heterossexuais, como homossexuais em comerciais. Então, a questão da diversidade sexual já estava muito bem resolvida nesses países. E isso era uma coisa normal; eram casais como os outros. Então, não me causou espanto a propaganda, pelo contrário. Eu achei que foi uma propaganda muito suave, não foi chocante e, principalmente, muito natural. Que é do jeito que a sociedade deve ver a diferença sexual como algo natural. Ninguém precisa levantar bandeira alguma – simplesmente a bandeira de que nós somos humanos. Assim como achei normal a manifestação em relação à Parada. A própria imagem que o Cristo tem hoje em dia é de um Cristo europeu, mas eu já vi imagens de Cristo negro, japonês, índio… eu me lembro que em uma encenação de morte e vida de Cristo na Igreja Santa Teresinha, nós fizemos o Cristo índio, porque a Campanha da Fraternidade daquele ano refletia sobre a realidade indígena. Por que não um Cristo transexual? Ele é um crucificado hoje em dia, assim como o homossexual e o bissexual. Os LGBTs são crucificados hoje. Então, eu não vi nada disso como um absurdo, mas como algo natural. É uma forma de eu refletir o porquê ele está sendo crucificado. Simplesmente porque ele é diferente sexualmente? Essas pessoas querem ter uma catarse, ou seja, expor publicamente a sua revolta. Isso não me assustou e não causou revolta, achei extremamente compreensível. Uma vez eu estive em uma exposição de um fotógrafa em Viena que usou a temática da crucificação com uma mulher nua na cruz. Ela fez uma foto lindíssima sobre isso. Ela estava mostrando o quanto a mulher é crucificada por ser mulher. Então, eu acho que essas associações à figura do Cristo são muito naturais no catolicismo e não deveriam causar espanto. Pelo contrário, é uma forma teológica de você pensar sobre determinada temática que precisa ser refletida nos dias de hoje.

E você sempre foi muito ativo na internet e toda essa polêmica tanto do comercial, quanto da Parada Gay, aconteceu ainda mais nas redes sociais. Em algum momento você já deixou de publicar algo com medo da polêmica que iria gerar?
Padre Beto: Não, eu sempre procuro colocar na minha página temáticas que façam as pessoas refletirem. Tanto que colocamos na página sobre o comercial, questionando que país é esse. Nós somos tão retrógrados e tão preconceituosos com um comercial que mostrou formas de famílias e formas de amor? Então, eu procuro interagir sempre com essas questões.

Toda essa polêmica te fez lembrar de tudo o que você viveu?
Padre Beto: De alguma forma sim; sempre me vem à tona essa questão da excomunhão. É uma coisa ainda muito presente e claro que me fez lembrar essa questão porque foi uma injustiça comigo. Eu estava vendo um documentário sobre esse assunto que ficou pronto essa semana e no documentário mostra o bispo de Bauru fala que eu havia passado dos limites e, de repente, vem uma faixa em vermelho no vídeo dizendo: ‘o número de padres excomungados por pedofilia é de 400 até hoje no mundo inteiro’. Então foi uma grande injustiça e é claro que esses casos me fazem lembrar. Mesmo assim, eu não gosto de me colocar como vítima. Eu acho que a gente constrói as circunstâncias e temos que assumi-las. Apesar de que eu não esperava a excomunhão…

Foi uma surpresa para você?
Padre Beto: Ah sim, com certeza. Mas eu assumi essa circunstância como positiva. Eu não fui excomungado porque cometi um crime, mas porque eu defendo uma causa que é justa.

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Existe alguma mágoa daquela época?
Padre Beto: Mágoa não. Eu não sou uma pessoa magoada; sou uma pessoa que vive a vida e vai interagindo com ela. Tanto que eu nem entrei em depressão, não fiquei triste… pelo contrário! Eu tentei fazer do limão mais que uma limoada – fiz uma caipirinha! Eu acho que foi muito bom ter acontecido tudo isso e acho até que já havia passado da hora a minha existência dentro da Igreja Católica. Ela estava muito pequena para mim.

Passava pela sua cabeça sair?
Padre Beto: Não pensava em sair, mas eu estava na ‘geladeira’ da instituição e isso me deixava extremamente angustiado. A excomunhão me abriu portas e tudo ficou mais arejado. Então, estava no momento de uma ruptura e ela foi muito boa.

Ainda sobre as suas redes sociais, você sempre dá dicas de livros. O que você anda lendo agora, padre?
Padre Beto: Eu tô lendo o livro Tratado de História das Religiões, que fala das religiões arcaicas e como os símbolos que aparecem na China, Europa, América Latina são semelhantes. Esse é o livro que eu estou terminando agora de ler.

E muitas pessoas consideram a Bíblia como o melhor livro que já leram. Qual você considera?
Padre Beto: Bom, eu não li a Bíblia inteira, até porque ela não deve ser lida e sim estudada! (risos). Mas um livro que eu recomendo sempre é A Cama na Varanda de Regina Navarro Lins. Acho que é um livro que ajuda a se informar sobre a sexualidade humana e ajuda a diferenciar o amor do sexo. O livro ainda coloca o sexo no seu devido lugar. Nós temos uma construção ideológica em cima de assunto que é uma grande bobagem e já ouvi muitas mulheres falarem que se descobriram como mulher a partir do livro. E eu como homem me identifiquei muito com a obra.

E no caso das missas que você anda fazendo, a consagração, mesmo fora da Igreja Católica, é válida?
Padre Beto: Tudo que é feito fora da igreja contra o seu consentimento, para a própria igreja não é válida. Mas isso é para a Igreja Católica. Os casamentos que eu faço, por exemplo, não são válidos para a Igreja Católica. Mas aí entra a relação com Deus: ela está condicionada à Igreja Católica ou não? Nos evangelhos você vê que Cristo não pregou uma igreja e sim o Reino de Deus e dentro desse Reino existe a consagração, muito antes da Igreja Católica. Então a consagração é válida e tudo depende da fé. Ainda existem algumas pessoas que afirmam que sou um ex-padre. Bom, é um pessoal que não estuda Direito Canônico porque a excomunhão não anula o padre. Para isso, existe um outro processo que não houve. No meu caso, eu sou excomungado, ou seja, um padre banido.

E quais são os seus projetos agora?
Padre Beto: A partir da semana que vem eu inicio um trabalho no Guia Gay com uma coluna, onde vou abordar esse diálogo entre grupo LGBT e Igreja. Esse é um projeto que eu acabei de fechar e vou começar na próxima semana. Além disso, tenho outros projetos que eu não posso falar agora. Também estou realizando algumas missas e tenho o projeto de fazer algo novo nessa nossa Bauru que precisa abrir um pouco a cabeça.

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