É comemorado o Dia do Cinema Brasileiro em homenagem às primeiras imagens em movimento registradas em território brasileiro: a entrada da Baía de Guanabara por Afonso Segreto, em 19 de junho de 1898. Durante a o Brasil da política café com leite. Voltando da Europa, onde havia feito um curso de operação de cinematógrafos, o brasileiro registrou a sua chegada ao Rio de Janeiro.
A estruturação do mercado no país se deu entre 1907 e 1910. Naquela época, a falta de eletricidade dificultava a implantação de salas de cinema, muitas das quais possuíam suas próprias equipes de filmagem. A maior parte dos filmes exibidos, no entanto, era importada de outros países – principalmente da Europa.
Os primeiros filmes gravados no país foram, em sua maioria, documentais. Que sempre caracterizou o cinema brasileiro. Aliás, o nosso cinema historicamente sempre produziu ótimos documentários. O curta-metragem Os Estranguladores (1908), de Francisco Marzullo e Antônio Leal, é considerado a ficção do Brasil. Já o primeiro longa-metragem foi O Crime dos Banhados (1914), dirigido por Francisco Santos.
As produções de ficção, conhecidas como filmes “posados”, eram realizadas pelos proprietários das salas de cinema do Rio de Janeiro e São Paulo. Muitas das histórias eram inspiradas em crimes reais (influente até hoje), mas havia algumas comédias. Os chamados filmes “cantados”, nos quais os atores dublam a si mesmos por trás da tela (muito popular na década de 70 e 80), também fizeram sucesso nesse período.
O mercado nacional sofreu mudanças estruturais durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com a diminuição da produção europeia, as salas de exibição brasileiras passaram a ser dominadas pelos filmes de Hollywood, fator esse que também enfraqueceu o cinema produzido localmente.
Entre as décadas de 1930 e 1940, as distribuidoras de filmes norte-americanos no país investiram em publicidade e equiparam as salas de cinema para vender seus talkies (filmes falados). O público acabou se adaptando às legendas e se acostumou ao estilo que caracterizou o cinema clássico de Hollywood: narrativas lineares, com início, meio e fim bem definidos, geralmente com finais felizes.
Assim, a recente indústria de cinema brasileira passou a produzir filmes com aspectos que lembravam as produções hollywoodianas: histórias românticas, musicais, com grandes cenários e estrelas como Carmen Miranda. Exemplos disso são os filmes Alô, Alô, Brasil (1935), Alô, Alô, Carnaval (1936), Bonequinha de Seda (1936) e Pureza (1940). No entanto, as produtoras nacionais não foram capazes de alavancar o mercado: dos 409 filmes lançados em 1942 no país, apenas um era brasileiro.
Um dos precursores do Cinema Novo (vale um texto só sobre esse tema) no Brasil foi o filme Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos. Uma leva de jovens cineastas passou a questionar as tentativas da indústria cinematográfica brasileira de imitar Hollywood. O foco desse novo tipo de cinema estava nas temáticas populares, com preocupações de cunho social e político, e na busca pelo realismo, em favor de uma arte autêntica. “A estética da fome”, termo criado por Glauber Rocha, surgiu com o Cinema Novo, inspirada nas obras de baixo orçamento das produções neorrealistas italianas e da Nouvelle Vague francesa.
Considerado um dos maiores cineastas brasileiros, Glauber Rocha dirigiu alguns dos filmes que se tornaram símbolos do Cinema Novo, como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968). Destacam-se, também, Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, e Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra. Premiado e reconhecido no mundo inteiro, Glauber é referência até hoje, inclusive, Martin Scorsese já admitiu inúmeras vezes que é fã do diretor brasileiro.
Em pleno regime militar, entre o final da década de 1960 e o início de 1970, outro grupo de cineastas optou por um movimento mais radical: o cinema marginal. A “estética do lixo”, proposta por esses diretores, rejeitava as fórmulas tradicionais de narrativa e buscava um cinema experimental. Os principais expoentes desse movimento foram Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha) e Júlio Bressane (Matou a Família e Foi ao Cinema).
Na passagem para a década de 1970 surgia um gênero tipicamente brasileiro no cinema: a pornochanchada. Uma série de fatores contribuiu para a ascensão e o sucesso desse tipo de narrativa. Entre eles a influência das comédias populares da Itália, a liberação dos costumes entre 1960 e 1970 e a absorção desses pensamentos pelo cinema, além do baixo custo das produções.
À época, a denominação foi utilizada para todos os filmes de baixo orçamento, mal elaborados ou acabados. No entanto, a pornochanchada em si inclui roteiros marcados por piadas, erotismo, temáticas permeando a virgindade, conquistas amorosas e maior exibição do corpo feminino. Além disso, os títulos tinham duplo sentido. Cabe dizer, ainda, que o nome do gênero une pornô à chanchada, gênero anterior marcado pelo humor ingênuo e popular. Muitas obras de Nelson Rodrigues ganharam vida neste período.
Críticas pesadas vieram também de setores conservadores e grupos moralistas. Entre eles a censura da ditadura militar e críticos de cinema, que julgavam os filmes grosseiros, apelativos e vulgares.
Após anos de intensa produção, a pornochanchada começou a encontrar esgotamento na temática, estética e na economia. Com os constantes boicotes e cortes de financiamento, ficou cada vez mais difícil produzir. Além disso, o esgotamento se deu na época da crise econômica do fim da ditadura militar. Paralelo a isso, a ascensão da pornografia hardcore vinda dos Estados Unidos, ou seja, sexo explícito, tomou conta do mercado. Então, a pornochanchada chegou ao fim.
O período entre 1992 e 2003 é conhecido como a fase da retomada. O governo Itamar Franco criou a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, responsável pela regulamentação daquela que viria a se tornar a Lei do Audiovisual, possibilitando a produção de centenas de filmes nacionais ao longo das últimas décadas. Um dos exemplos é o longa “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (1994), de Carla Camurati, o primeiro realizado por meio desse recurso.
Grandes destaques desse período são O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto, O Que é Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, e Central do Brasil (1998), de Walter Salles, todos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro – em 1996, 1998 e 1999, respectivamente, sendo que o último também levou uma indicação na categoria de melhor atriz, para Fernanda Montenegro (a primeira latino-americana, a única brasileira e também a única atriz já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa).
O longa Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, marcou o final da retomada do cinema brasileiro. O filme foi indicado a quatro Oscars: melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor direção de fotografia e melhor edição; além de ter recebido o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro. O sucesso de crítica e de público deu novo fôlego ao cinema contemporâneo brasileiro. Em tempos de filmes como Parasita e Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, me pego pensando que se Cidade de Deus tivesse sido lançado vinte anos depois, teria levado alguns prêmios pra cá.
Cidade de Deus abriu as portas para produções como Carandiru (2003), de Hector Babenco, e Tropa de Elite (2007) de José Padilha – o segundo, um dos maiores fenômenos nacionais, já que ganhou fama por meio de cópias de DVDs piratas e somente depois conquistou o público nos cinemas, pelo “boca a boca”.
É nesse período que os filmes brasileiros se consolidaram como opções “vendáveis” no mercado. Em 2013, mais de 120 longas chegaram às telas, muitos deles com públicos acima de um milhão de espectadores. Comédias populares, como De Pernas pro Ar (2010) e Minha Mãe é uma Peça (2013), passaram a utilizar uma estética que transitava entre os programas da Globo e os blockbusters hollywoodianos, para atrair as grandes massas. Nos últimos anos, tivemos obras muito importantes, como: Que Horas ela Volta? (2015); Marte Um (2022); O Lobo Atrás da Porta (2014); Corações Sujos (2011); Boi Neon (2015); O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) além de O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, ambos do mesmo diretor, Kleber Mendonça Filho.
Em 2024, coloco como sugestão que Kleber Mendonça Filho é de longe o diretor mais influente e elogiado do cinema brasileiro atual. Inclusive, falamos dele aqui na coluna: Retratos Fantasmas: Kleber Mendonça Filho homenageia Recife, sua história e o cinema
Premiações reconhecimento
Apesar de um baita preconceito do próprio rbasileiro, o cinema brasileiro é um espelho que reflete a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira, seja na violência urbana, parte da história recente do Brasil, seja em contextos históricos, ou se necessário, apenas uma diversão cotidiana. Alguns filmes brasileiros foram premiados e são referências no gênero, abaixo alguns exemplos:
1. O Pagador de Promessas (1962)
Esta obra é considerada um marco do cinema brasileiro e foi o primeiro filme nacional a ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Dirigida por Anselmo Duarte, a trama gira em torno de Zé do Burro, um homem que prometeu à sua santa que doaria metade de suas terras em troca da cura do seu burro doente. Quando seu burro é curado, ele tenta cumprir a promessa, mas acaba enfrentando a burocracia da Igreja Católica e as tradições locais. Além de ter levado o prêmio “Palma de Ouro”, a obra também foi indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e venceu o prêmio da crítica internacional no Festival de Berlim. Hoje no catálogo do globoplay.
2. Central do Brasil (1998)
Dirigido por Walter Salles, o longa conta a história de Dora, uma ex-professora que escreve cartas para pessoas analfabetas na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Um dia, ela se envolve na vida de um menino órfão e, juntos, eles partem em busca do pai do garoto. O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de ter sido indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ter vencido o Globo de Ouro na mesma categoria.
Além disso, Fernanda Montenegro, atriz que interpreta Dora, foi a primeira latino-americana e a única brasileira já indicada ao Oscar de Melhor Atriz e é a única indicada ao Oscar por uma atuação em língua portuguesa, devido ao seu trabalho em Central do Brasil. Hoje no catálogo do globoplay.
3. Cidade de Deus (2002)
“Cidade de Deus” é um retrato cru e realista da violência e da desigualdade social no Brasil. Baseado no livro homônimo de Paulo Lins, o filme, dirigido por Fernando Meirelles e co dirigido por Kátia Lund, retrata a vida em uma favela no Rio de Janeiro, desde a década de 1960 até os anos 1980. A obra foi indicada a quatro Oscars, incluindo Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado, além de ter vencido diversos prêmios internacionais, como o BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro e o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. No catálogo da Netflix e do globoplay.
4. O Quatrilho (1995)
Dirigido por Fábio Barreto, o longa se passa no final do século XIX e conta a história de dois casais italianos que imigraram para o sul do Brasil em busca de uma vida melhor. Quando um dos casais se envolve em um caso extraconjugal, a vida de todos fica abalada. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim. Hoje no catálogo do globoplay.
5. Tropa de Elite (2007)
Lançado em 2007, essa obra, do diretor José Padilha, retrata o cotidiano dos policiais do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. O filme venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de ter sido indicado ao Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance. No Prime Video.
Documentários
Uma das raízes mais fortes do cinema nacional, é o seu lado documental da realidade, seja no Cinema Novo ou no Cinema Marginal, tinham objetivos de relatar o cotidiano e sua frieza, apesar do contraponto das sutilezas da vida. Alguns documentários contam a história desse cotidiano, que retrata e conta sobre a própria história do Brasil.
1. Cabra Marcado para Morrer (1984)
O filme é uma narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba, assassinado em 1962. Em razão do golpe militar, as filmagens foram interrompidas em 1964. O engenho da Galileia foi cercado por forças policiais. Parte da equipe foi presa sob a alegação de “comunismo”, e o restante dispersou-se. É triste, intenso e essencial. Tem completo no Youtube.
2. Edifício Master (2002)
Na produção de Edifício Master, o diretor e sua equipe mantiveram-se durante três semanas dentro do edifício, literalmente morando lá, com a intenção de que ocorresse uma ambientação entre a equipe que produziu o documentário e os moradores. O retrato da vida e suas diferenças, tem completo no Youtube também.
Assim como Cabra Marcado, ambos são produzidos pelo genial, eu disse, GENIAL, Eduardo Coutinho.
3. Notícias de uma Guerra Particular (1997)
O documentário retrata o cotidiano dos traficantes e moradores da favela Santa Marta, no Rio de Janeiro. Resultado de dois anos (1997 – 1998) de entrevistas com pessoas ligadas diretamente ao tráfico de entorpecentes, com moradores que vislumbram esta rotina de perto e policiais, o documentário traça um paralelo entre as falas de moradores, dos traficantes e da polícia, colocando todos no mesmo patamar de envolvimento em uma guerra que não é uma “guerra civil”, mas uma “guerra particular”. É uma aula sobre a história do crime brasileiro, está um pouco datado, afinal, de lá pra cá muita coisa mudou, ou melhor, se atualizou, afinal, hoje temos um novo grupo dentro das instituições criminosas, a milícia. Aproveitando o tema, Ônibus 174, dirigido na época pelo estreante, José Padilha. Juntos relatam uma realidade brasileira. Ambos estão no Youtube completos.
Menções honrosas: Di-Glauber (1977); Lixo Extraordinário (2010); Ilha das Flores (1988).
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Apesar de pouco divulgado, o cinema brasileiro por muitas vezes não tem os holofotes que merece. De um início promissor até o fundo do poço com a pronochancada, o cinema reagiu e se mostrou eficiente em contar histórias. Mas que a cada dia beira seus espaços nas brechas do cinema comum. O senso comum transformou o cinema brasileiro em algo banal e acabamos perdendo muita coisa boa por aí. Mais que uma data, que o dia 19 de junho seja celebrado cada vez mais e que as nossas obras possam cada vez mais serem lembradas. O Brasil é música, é teatro, é esporte, ou futebol, mas acima de tudo, é cinema, com C maiúsculo.